Brasil: Não basta empatar, vencer é preciso



31 de outubro de 2003



Luciano Siqueira (*)
La Insignia. Brasil, 30 de outubro.


Passados alguns dias desde a fala do ministro Palocci em rede de rádio e TV,
em que proclamou a vitória sobre a inflação e concitou o empresariado a
retomar seus investimentos, permanece a sensação de que algo está faltando.
O ministro da Fazenda assinala, com razão, o êxito do governo na
estabilização da moeda e na contenção inflacionária. Tudo bem. Afinal, não
viramos uma Argentina, como prenunciavam nossos adversários. Mas só isso não
basta. Urge retomar o crescimento econômico, sem o que não se poderá ampliar
a oferta de empregos e atenuar as precárias condições de existência da
maioria dos brasileiros.
Mas aí as coisas continuam nebulosas. Corremos o risco de iniciar 2004 ainda
sob rígido controle orçamentário, em detrimento dos investimentos
alavancadores da economia.
Onde está o nó? Exatamente na concepção dominante, no ministério da Fazenda
e no Banco Central, de que o ajuste fiscal rigoroso deve prosseguir como
remédio preferencial para atenuar os malefícios das dívidas externa e
interna sobre o desempenho da economia. Assim, o País não cresce, mas também
não se desequilibra. Parecido com a seleção brasileira de 1994, da retranca
do técnico Parreira, quando tudo levava a crer que importante era empatar,
não necessariamente vencer. Tanto que vencemos a Copa do Mundo contra a
Itália com um angustiante empate, decidido nos pênaltis. Sem muita vibração.
No futebol, até que se podia aceitar essa orientação defensiva, imobilista e
estéril. Na economia brasileira de hoje, não. Porque a estabilidade sem
crescimento compromete a soberania do País e pode frustrar as esperanças de
milhões de brasileiros cujas carências estão a depender justamente da
retomada do crescimento.
Por isso, muitos defendem, como o PCdoB, a reestruturação do pagamento da
dívida pública - comportando a renegociação, a moratória e o controle do
fluxo de capitais. Solução ousada, sim. Mas sustentável por um governo
respaldado na vontade da maioria da nação e dono de crescente credibilidade
internacional. Por aí o Estado recuperaria sua condição de indutor do
desenvolvimento, realizando os investimentos que lhe cabem - e não apenas
apelando à iniciativa privada, como faz Palocci. A proposta orçamentária do
governo se aproximaria dos objetivos consignados no Plano Plurianual. E se
poderiam fazer despesas públicas direcionadas para o aumento real do salário
mínimo e o incremento de ações que possibilitem a oferta imediata de novos
empregos, combinadamente com investimentos estratégicos em infraestrutura
capazes de fomentar as atividades produtivas.
Trata-se de uma divergência de fundo no interior do governo, que certamente
não se resolve sem luta.


(*) Vice-Prefeito da Cidade do Recife (Pernambuco, Brasil)